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Barragem de Algodões: como vive a cidade e as vítimas quase dez anos após a tragédia

Reconstruir-se em meio a espera, acordos e desacordos, trouxe às vítimas o sentimento de que não é preciso apenas ser contra a maleabilidade do poder público, é preciso lutar

Shelda Magalhães - 27 de janeiro de 2019 às 09:30
Barragem de Algodões I dias depois após romper e destruir parte da zona rural do município (Foto: Arquivo)

27 de maio de 2009: o dia que não teve fim para quem viu 50 milhões de metros cúbicos de água atravessar a cidade piauiense de Cocal da Estação levar vidas, bens, e um pedaço da história da população do município que nunca mais foi o mesmo. O rompimento da barragem de Algodões está próximo de completar uma década e o atraso do poder público continua o mesmo: da manutenção que poderia ter evitado a tragédia às parcelas da indenização.

Na tarde desta sexta-feira (25/01) o Brasil e o mundo foi surpreendido com mais um desastre ambiental envolvendo barragens e mineração. Dessa fez, as vítimas são de Brumadinho, cidade do estado Minas Gerais. Ao todo, 15 pessoas morreram por conta do rompimento da barragem de Algodões. Em Brumadinho há pelo menos 34 mortos e o número só cresce. E é assim que um passado não muito distante volta como uma nuvem turva, trazendo dúvidas do longo e conflituoso caminho trilhado nos últimos dez anos pelas vítimas de um dos mais tristes capítulos da história do Piauí.

O OitoMeia conversou com o professor Corcino Medeiros, o presidente da Associação das Vítimas da Barragem de Algodões (Avaba) e ele contou que, aos poucos, os sobreviventes estão reconstruindo suas vidas, mas deixa claro que não foram anos fáceis.

“Nós fizemos um acordo com a justiça e o Estado para que ele pagasse a indenização em 30 parcelas. O acordo foi feito e hoje já tem pago 20 parcelas. A população está reconstruindo devagar com esse dinheiro, as suas casas e propriedades no mesmo lugar de antes”, informou.

Tragédia da Barragem de Algodões I completa 9 anos e famílias denunciam atrasos no pagamento de indenização (Foto: Arquivo/Extra)

INDENIZAÇÃO VEIO OITO ANOS DEPOIS

Segundo a associação, a comunidade recebe na faixa de R$500 a R$5000. O acordo possibilitou a liberação de R$ 60 milhões para cerca de 900 famílias vítimas do desastre e só ocorreu oito anos depois do rompimento. O valor individualizado é referente a perdas patrimoniais, danos morais, lucros cessantes, eventuais alimentos provisionais, inclusive os em atraso e qualquer outra reparação requerida nas ações coletivas ou individuais.E ainda assim, depois de ter vencido na Justiça, as vítimas sofrem com os atrasos nas parcelas.

“Aos trancos e barrancos estão pagando. A principal crítica é o abandono, desinteresse. Depois da indenização muitos assumiram compromisso com esse dinheiro. O atraso é sempre um problema muito sério”, disse Corcino Medeiros.

O presidente da associação  também informou que hoje a economia da cidade é beneficiada pelas indenizações, local onde a população injeta o dinheiro que recebe. O rompimento da barragem não atingiu todo o município de Cocal da Estação, apenas o bairro “Baixa do Cocal” , juntamente com pontes e estradas.

Cidade ficou devastada após rompimento da barragem (Foto: Reprodução)

LUTA POR TODO O PIAUÍ

Quem teve o passado devastado, hoje luta por um futuro tranquilo. Mais do que isso, a associação conta a sua história, enfrenta e avança na tentativa de que ninguém mais passe pelo pesadelo de ver um pedaço da vida carregado pela água. Reconstruir-se em meio a espera, acordos e desacordos, trouxe às vítimas o sentimento de que não é preciso apenas ser contra a maleabilidade do poder público, é preciso lutar contra.

“Estamos pensando no que vamos fazer quando acabar o pagamento porque o governador não iniciou a obra de construção da barragem [nova represa de Algodões] . Vamos continuar nessa luta. Um dos esforços nossos é que não se repita a mesma coisa em outro lugar, sobretudo aqui no Piauí que está ao nosso alcance. São coisas que não são muito difíceis e caras como uma manutenção permanente, cuidado e vigilância que é o que falta”, lamentou Corcino Medeiros.

A tragédia deixou pelo menos dois mil desabrigados. A água chegou a 20 metros de altura e o caso de repercussão nacional trouxe para o Piauí os holofotes na época. E o que fica são os consistentes relatos de sobreviventes que mais do que a altura da águas enfrentaram uma vida conturbada após a tragédia: uma vida prática, burocrática, que teve que se sustentar em um cenário hostil. O que fica é a lição de que no meio do risco de perder vidas, sonhos e histórias; promessas e meias palavras não tem poder algum.

SEGURANÇA DAS BARRAGENS

O relatório da Agência Nacional de Águas (ANA) de 2017 aponta que 45 barragens no Brasil estão com estruturas vulneráveis a desabamento. O número cresceu comparado ao ano anterior, quando o levantamento registrou 25 barragens com problemas graves.

Elmano Ferrer (Foto: Divulgação)

Elmano Férrer, senador piauiense, é relator do Plano de Trabalho para avaliar a Política Nacional de Segurança de Barragens, que tem como objetivo principal aprimorar a gestão do Estado, por meio da mensuração da eficiência, da eficácia e da efetividade de políticas públicas voltadas para a segurança de barragens.

“Precisamos discutir e buscar soluções para essa situação das barragens. São gastos milhões na construção de uma barragem que não possui manutenção e nem mesmo vigias para a preservação do patrimônio. Daí ocorrem essas tragédias como em Cocal (PI) e Mariana (MG). É lamentável que municípios fiquem vulneráveis, pessoas morram e famílias fiquem desabrigadas pelo descaso que existe”, afirmou o senador.

O QUE DIZ O GOVERNO DO PI
O OitoMeia procurou a assessoria de imprensa do governo do Piauí para saber do posicionamento sobre as declarações da Avaba. Segundo o setor de comunicação, não há solicitação das vítimas para falar com o Wellington Dias no gabinete do governador. E sobre a construção da barragem nova de Algodões, foi informado que a obra já foi licitada e assinado o contrato. O Governo está guardando autorização do Ministério da Integração para iniciar a obra.

Sobre o atraso no pagamento da licitação, a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) justificou que o atraso existente se deve ao fechamento do sistema financeiro e que tudo será regularizado na reabertura.


Shelda Magalhães