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Inocência e heroísmo: além do incêndio provocado por criança na Santa Maria da Codipi

Edrian Santos - 11 de maio de 2017 às 09:06

A inocência de uma criança de três anos e o heroísmo de uma mãe protagonizam a história desta reportagem. Ambos moradores da comunidade Edgar Gayoso, região da Santa Maria da Codipe, zona Norte de Teresina. Mais que uma distância geográfica, a marca principal do local relaciona-se a certo distanciamento social. Mãe e filho foram vítimas de um incêndio acidental, no último domingo (07/05), o pontapé para levantar uma discussão sobre o alcance do poder público às básicas necessidades humanas.

Mãe e filho foram vítimas de um incêndio acidental, no dia 07 de maio (Foto: Édrian Santos/OitoMeia)

Para começar, é interessante fazer uma contextualização. Uma criança de três anos brincava em casa, sozinho no quarto. Os outros irmãos, mais velhos, três no total, estavam na escola. O menino, então, acha uma caixa de fósforo guardada no guarda-roupa e, num imaginário infantil, ateia fogo num colchão. Os pais, em outros cômodos da casa, perceberam tardiamente o incêndio, enquanto a criança gritava de dor, deitada no chão.

O pai é Francisco Saraiva Portela, cadeirante. Foi o primeiro a perceber as chamas. O fogo, já alastrado por todo o quarto, deixava o menor sem saída. A mãe dele, identificada como Jesuslene dos Santos Sousa Portela, de 29 anos e dona de casa, preparava um café quando ouviu o desespero dos gritos de uma pessoa que não tinha como agir naquele momento. O instinto materno aflora e uma força maior encoraja a mulher ao encontro do filho num cômodo flamejante. Vizinhos surgem à contenção do incêndio.

FATALIDADE QUALQUER?

O forro do quarto, de material plástico e completamente em chamas, chega a cair sobre Jesuslene. No entanto, a dor corporal não se compara à dor de imaginar um filho em apuros. Até aqui, um acidente, uma fatalidade. Qualquer um pode passar por algo semelhante. Por outro lado, o que uma caixa de fósforo fazia guardada num local onde um menino de três anos passava parte do dia? Por que a ajuda de ambulâncias ou do corpo de bombeiros demorou tanto aos primeiros e essenciais atendimentos? O que o poder público tem a ver?

Filho brincava com fósforo no quarto, quando provocou incêndio (Foto: Reprodução WhatsApp)

O OitoMeia foi até a casa da ocorrência. Ocioneusa Alves dos Santos é mãe de Jesuslene e avó da criança. Para relacionar o Estado nesta situação, o primeiro relato diz respeito às constantes quedas de energia elétrica na comunidade Edgar Gayoso. Já é costume dos moradores reservarem velas, fósforos e isqueiros em locais de “confiança”, como o próprio quarto. As crianças, por outro lado, sem noção das consequências, às vezes sem alternativas de lazer, veem em tais ferramentas um escape para sair da monotonia.

“Sabemos que foi uma fatalidade, mas aqui faltam espaços para as crianças, uma ocupação, um lazer”, diz Gardênia Ferreira, amiga da família das vítimas e dona de casa. Dentre outras reclamações, ela também destaca a dificuldade de locomoção, falta de escolas e creches próximas, além da precariedade no calçamento das vias da comunidade. “Eu vou tirar esse forro. Aqui constantemente falta energia e a gente sempre acende uma velinha. De repente, a gente está dormindo, a velinha cai, pega num pano e o fogo começa”, completa Ocioneusa.

Coincidentemente, a reportagem do OitoMeia chegou no dia em que o fiscal da companhia elétrica foi aferir e deixar a conta de luz à residência. A mãe e avó das vítimas deduz que a falta de energia teve sim certa contribuição ao incêndio. “Isso poderia acontecer não só aqui, mas também em outras casas. Eu fiquei com medo. E como você mesmo viu, a conta de luz acabou de chegar. Nós vivemos aqui [Conjunto Edgar Gayoso] assim, jogados”, acusa a entrevistada.

Ocioneusa é mãe de Jesuslene, vítima do incêndio, e diz que comunidade sofre com constantes quedas de energia (Foto: Édrian Santos/OitoMeia)

Igual a todas as outras do conjunto habitacional do programa “Minha Casa, Minha Vida”, a casa da família é pequena, com cinco compartimentos. Ao todo cinco pessoas moram no local e dependem exclusivamente da aposentadoria de Francisco, devido à limitação física. O filho mais velho do casal mora com a avó, também aposentada por ser cadeirante, tal qual o genro. Como se percebe, a região é conhecida pela grande população de deficientes físicos, porém os próprios moradores a veem como inacessível.

DEMORA DO SOCORRO

O tempo também estava contra o bem-estar das vítimas. Cerca de quarenta minutos de espera por socorristas intensificaram as dores da mãe e do filho. Com somente dois acessos ao conjunto, a ambulância e uma viatura do corpo de bombeiros tiveram dificuldades de chegar ao endereço – uma via é praticamente intrafegável e a outra é pouco conhecida. Vizinhos mobilizaram-se à prestação dos primeiros socorros, além de apagarem o fogo. Mais uma vez, o descomprometimento do poder público se destaca neste incidente.

Casa da família passou por reforma (Foto: Édrian Santos/OitoMeia)

“Pela distância e dificuldade, o corpo de bombeiro e a ambulância vieram até rápido. Eles fizeram a parte deles, mas antes já tínhamos feito muita coisa. Se esperássemos, talvez um óbito poderia ter acontecido. Não só por este caso, mas por aqui ser um bairro de deficientes, sempre há a necessidade de atendimento médico. Aqui está precisando é de tudo”, critica Gardênia.

DOAÇÕES

A ajuda da vizinhança já surtiu efeito. Em dois dias, uma reforma na casa foi feita, tendo pinturas, colocação de novas cerâmicas no piso, aquisição de uma cama nova. Eis as principais necessidades da família e dos hospitalizados: roupas infantis, colchões e um guarda-roupa para o quarto incendiado, onde parte das crianças dormiam. As vítimas, por outro lado, precisam de pomadas para queimaduras, fraldas geriátricas, óleos de girassol, gaze, ataduras e material de higiene pessoal.

Um morador da comunidade chamado Adécio Oliveira é criador do Grupo de Ação Solidária Amigos do Gayoso. Por meio deste, a população divulgou nas redes sociais e grupos de WhatsApp as informações sobre os acidentados. Várias doações foram arrecadas e entregues ainda na última terça-feira (09/05). As doações em dinheiro podem ser feitas através da conta bancária da Caixa Econômica Federal de Francisco Saraiva Portela. Agência: 204; Operação: 013; Conta: 00041385-1.

Adécio Oliveira criou ação solidária para ajudar vítimas e pede doações (Foto: Édrian Santos/OitoMeia)

Sem previsão de alta, as mãe e filho estão em estado estável. Ela sofreu queimaduras de segundo grau em cerca de 40% do corpo – braços, pernas, rosto e tronco posterior. O menino, em situação mais confortável, sofreu queimaduras no rosto, braços e pernas – algumas delas, de segundo grau. As informações clínicas dos pacientes são do Hospital de Urgência de Teresina (HUT).

O OitoMeia entrou em contato com a Eletrobras, mas até o fechamento desta matéria a companhia elétrica não se pronunciou.


Edrian Santos